Mas será que, após a divulgação do balanço, já é um bom momento para se investir nas ações da Americanas (AMER3)? Segundo analistas, o momento ainda pede cautela.
Desde o começo do ano até agora, as ações da companhia já caíram mais de 90%. Os papéis, que custavam em torno de R$ 12 no começo de 2023, agora são cotados a menos de R$ 1. Para alguns agentes de mercado, essa queda brusca poderia significar potencial de ganhos. Hoje (16) no começo do pregão, as ações subiam quase 9%, cotadas a R$ 0,87. Mas, para os analistas ouvidos pelo Valor Investe, o momento ainda é delicado e exige cuidados.
José Eduardo Daronco, analista da Suno Research, afirma que o rombo da companhia, que virou o ano com patrimônio líquido negativo de R$ 26 bilhões, é “elevadíssimo”. Para ele, o grande problema é que a recuperação da empresa será ainda mais complexa do que o esperado pelo mercado. Uma companhia em situação assim pode representar risco grande para seus investidores.
“A Americanas revisou os números dos balanços anteriores registrando não só um prejuízo bilionário, como também um patrimônio líquido negativo. Ao que parece, a recuperação da empresa será muito mais difícil do que o imaginado. O rombo é elevadíssimo. A empresa precisará de um aporte significativo dos controladores ou terá o mesmo triste fim de várias varejistas brasileiras: a extinção”, afirma o analista.
João Lucas Tonello, analista da Benndorf Research, destacou um outro ponto importante do balanço: o Ebitda negativo. Para quem não sabe, o indicador mede o lucro de uma companhia antes de juros, impostos, depreciação e amortização. Portanto, se o indicador está negativo, significa que a empresa não tem gerado receitas o suficiente para compensar seus custos e despesas operacionais, o que causa um temor adicional.
“Isso assusta um pouco para compras por parte dos investidores. Eu ficaria mais receoso, cauteloso”, afirma. Para ele, as pessoas só devem investir nas ações da empresa quando ela voltar a gerar lucro, o que deve acontecer em um prazo mais longo do que o projetado pela própria companhia, que é em 2025.
A projeção da empresa, segundo Tonello, é otimista. “Acho que eles estão vendo com olhos muito bons, com um otimismo na análise. Eu acho que eles vão continuar em território negativo em 2025, porque não vejo a empresa conseguir se desvencilhar de uma dívida tão grande, com custos tão altos e ainda funcionar no território positivo”, afirma.
Embora a Selic esteja em trajetória de queda (o que tende a beneficiar o setor, que fica com juros menores para pagar sobre as dívidas), a Americanas não é a opção mais indicada, segundo Tonello. Ele afirma que, dentre as companhias que se beneficiam da queda de juros, ele prefere a companhia de logística e saneamento Simpar. Se precisasse se expor ao varejo, no entanto, a escolha seria Magazine Luiza. “Mesmo com esse problema pontual, ela apresenta volume de vendas maior que o Grupo Casas Bahia e Americanas. Se tivéssemos que escolher no Brasil, seria ela”, diz.
Julia Monteiro, analista da MyCap, também considera arriscado se investir em Americanas neste momento. Ela destaca que, durante a teleconferência feita pela companhia, não ficou claro se as propostas de negociação com os credores e fornecedores já estão autorizadas pela justiça e se já podem ser colocadas em prática.
“Ainda existem muitas dúvidas. Não ficou claro se, judicialmente, o que a empresa quer está autorizado, se será aceito. O custo-benefício de se investir na empresa, perto do risco que existe, não é bom”, afirma.
Ela destaca, ainda, que existem outras opções de empresas varejistas, que tendem a se beneficiar da trajetória de queda da Selic, que estão sendo negociadas a um preço mais baixo do que o que seria considerado justo e, por isso, têm potencial de alta. Um exemplo, segundo a especialista, é o Grupo Soma, dono de marcas como Farm, Maria Filó e Foxton.
Regis Chinchila, analista da Terra Investimentos, concorda que o investimento é arriscado. Apesar da alta no pregão de hoje (16), ele acredita que ainda há incertezas que não permitem “cravar” como (e se haverá) recuperação da companhia.
“Nós vemos que essa valorização é resultado das expectativas do mercado com o plano de reestruturação. Alguns investidores podem estar vendo potencial na empresa, considerando seu atual patamar de preço e assim decidem entrar nesse investimento arriscado. A nossa avaliação sobre a Americanas é de que ainda há muitas incertezas para projetar qualquer recuperação da companhia e, mesmo no nível atual em que o ativo é negociado, enxergamos um investimento na empresa como arriscado”, afirma..
Primeiro, é preciso entender que o balanço é uma das peças fundamentais não só para entender a real situação da companhia como para a própria Americanas, seus gestores e até os investidores traçarem seus próximos passos. Isso porque os números mostram o quão danosa foi a fraude e, a partir deles, é possível entender por onde as soluções passam, no sentido de entender quais são as receitas da empresa para que ela possa negociar suas dívidas de maneira sustentável e saber onde e no que pode investir.
Um dos pontos principais dos balanços divulgados agora é a alavancagem (ou seja, o grau de endividamento) da empresa, especialmente porque a fraude contábil aconteceu também em operações de risco sacado, em que os bancos adiantam pagamentos aos fornecedores da empresa.
Para quem não se lembra, o relatório divulgado em janeiro afirmou que as demonstrações financeiras da Americanas vinham sendo fraudadas pela antiga diretoria da empresa, que atuou até o final de 2022. Segundo o documento, a empresa usava uma série de artifícios para modificar seus números.
Um dos instrumentos usados eram contratos fictícios de bonificação por vendas. Para reduzir os custos, as varejistas costumam promover ações de propaganda de produtos de seus fornecedores que, em contrapartida, dão um desconto para a empresa adquiri-los caso a meta de vendas estabelecida no acordo fosse atingida graças à ação. No caso da Americanas, porém, alguns desses números eram fraudados.
Outra fraude usada pela companhia era por meio das operações de risco sacado, justamente para conseguir encobrir as demais operações fraudulentas.
Para compensar essa receita inexistente no caixa da empresa, a Americanas passou a fechar contratos de risco sacado com os bancos, quando uma companhia contrata uma instituição financeira para realizar a antecipação de recebíveis ao fornecedor.
Como a Americanas não divulgava corretamente em seus balanços essas operações, o mercado não sabia o real tamanho da dívida da companhia, o que passou a ser conhecido agora com o balanço.