Aos 32 anos, Gypsy Rose Blanchard é liberada do Chillicothe Correctional Center, prisão estadual para mulheres no estado de Missouri (EUA). Em 2016, a jovem declarou-se culpada pelo assassinato de sua mãe, Clauddine “Dee Dee” Blanchard – cometido um ano antes por seu então namorado Nicholas Godejohn –, e foi sentenciada a 10 anos de prisão. Nesta quinta-feira (28), a mulher recebe liberdade condicional após cumprir 85% de sua pena. O ex-namorado foi sentenciado à prisão perpétua.

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Tratada por sua mãe como uma adolescente cronicamente enferma, com mentalidade de criança e dependente de uma cadeira de rodas, Gypsy Rose, na verdade, tinha 23 anos no ano do crime e nunca esteve doente. Após o assassinato de Dee Dee, a mulher afirmou ao ABC News que conquistou na prisão a liberdade que nunca teve em casa:

— A prisão que eu estava vivendo antes, com minha mãe, é como se eu não pudesse falar. Eu não podia comer. Eu não tinha amigos. Eu não podia sair de casa e, você sabe, brincar com amigos ou fazer qualquer coisa. Aqui [na prisão], eu sinto como se fosse mais livre do que vivendo com minha mãe. Porque agora eu posso… viver como uma mulher normal —, afirmou Gypsy em entrevista (tradução literal).

Gypsy Rose e sua mãe Dee Dee. (Foto: reprodução, ABC News)

Gypsy Rose e sua mãe Dee Dee. (Foto: reprodução, HBO)

Gypsy Rose e sua mãe Dee Dee. (Foto: reprodução, ABC News)

Gypsy em fantasia de princesa. Ela sempre usava perucas para esconder sua cabeça raspada. (Foto: Reprodução, Redes Sociais)

Gypsy em fantasia de Cinderela. (Foto: Reprodução, Redes Sociais)

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Assassinato de Dee Dee Blanchard

No dia 14 de junho de 2015, uma comunidade em Springfield, no estado de Missouri se assustou com uma publicação no perfil de Facebook de uma de suas vizinhas, Dee Dee. Na rede social estava escrito: “Aquela vadia está morta!”.

Pouco tempo depois, outra publicação na página de Dee Dee assombrou a vizinhança, que chamou a polícia. O texto dizia em tradução literal: “Eu rasguei aquela porca gorda e estuprei sua filha inocente… Os gritos dela foram tãããão altos RISOS.”

Considerada uma mulher querida por todos, Dee Dee era uma inspiração por cuidar com tanta dedicação de Gypsy Rose, sua filha cronicamente doente que todos acreditavam ser menor de idade. Porém, neste dia de junho, Clauddine foi encontrada morta com 17 facadas. A jovem estava desaparecida, mas sua cadeira de rodas permaneceu na casa.

Inicialmente, a polícia pensou que ela havia sido sequestrada. Porém, uma vizinha que sabia do relacionamento de Gypsy com Nicholas alertou a polícia. Assim, foi possível rastrear o IP de onde as publicações foram feitas.

Conforme relato da própria Gypsy Rose, sua mãe foi morta por Nicholas Godejohn no dia 9 de junho de 2015. A jovem entregou ao homem uma faca, luvas e fitas adesivas e se escondeu no banheiro enquanto ele cometia o crime.

Ao site ABC News, ela afirmou que “Eu honestamente achei que ele ia acabar não fazendo”. Logo depois do assassinato, o casal transou no quarto de Gypsy e ambos fugiram para a casa de Nicholas, onde foram encontrados no mesmo dia que o crime foi descoberto.

Quem é Gypsy Rose e Dee Dee

Um pouco após a separação de seus pais, Gypsy Rose Blanchard nasceu em Golden Meadow, cidade de Louisiana, no dia 27 de julho de 1991. Apesar de nascer saudável, conforme relatos do pai Rod Blanchard, aos três meses de idade a criança já passava por consultas médicas para investigar apneia do sono e alterações cromossômicas.

Sua presença em hospitais virou parte da rotina de Gypsy que, ao longo de sua infância e adolescência, era conhecida como a jovem doente em uma cadeira de rodas. Ao mesmo tempo, Dee Dee era a mãe solo exemplar, que vivia em função de cuidar da filha doente.

Conforme relatou a reportagem “Dee Dee queria que sua filha estivesse doente, Gypsy queria que sua mãe estivesse morta” do BuzzFeed, publicada em 2016, Clauddine tinha uma extensa lista das doenças de sua filha. Desde leucemia, passando por alterações cromossômicas, distrofia muscular, epilepsia, asma grave, apneia do sono a “mentalidade de uma criança de 7 anos”, as supostas doenças de Gypsy a deixavam totalmente dependente de sua mãe.

Não à toa, a garota uma vez afirmou que ambas eram “Um par de sapatos, nunca sem a outra”. Aos olhos de todos, Dee Dee era uma mulher guerreira. Mesmo desempregada, Clauddine mantinha todos os custos de tratamentos com doações.

Como foi o caso da casa que viveram de 2008 a 2015 em Springfield, Missouri. Construída pela organização não-governamental Habitat para Humanidade, a casa era adaptada para a cadeira de rodas de Gypsy e também possuía uma Jacuzzi para ajudar os músculos da jovem.

Casa de Gypsy Rose e Dee Dee Blanchard em Missouri. (Foto: Reprodução, ABC News)

Gypsy sua mãe em frente a casa. (Foto: Reprodução, HBO)

Sala de Casa de Dee Dee e Gypsy em Missouri. (Foto: reprodução, ABC News)

Quarto de Gypsy Rose na casa em Missouri. (Foto: ABC News, Reprodução)

Armário de remédios de Gypsy e cadeira de rodas em banheiro de casa no Missouri. (Foto: ABC News, reprodução)

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Linha do tempo do caso Gypsy Rose e Dee Dee

• Março de 2008. Segundo o que Dee Dee relatou para a vizinha Amy Pinegar, elas se mudaram para Springfield após terem perdido tudo (inclusive o histórico médico de Gypsy) no furação Katrina, em 2005. Ao BuzzFeed, Amy também relembra que Dee Dee considerava o ex-marido Rod Blanchard um “peso morto” e que dava a entender que o homem não ajudava nas despesas. Mais tarde, veio à tona que o ele sempre mandou mensalmente US$ 1.200 de pensão para a filha;

• Fevereiro de 2011. Aos 19 anos de idade, Gypsy tentou escapar da mãe pela primeira vez. A jovem estava em um evento de ficção científica quando conheceu pessoalmente um homem de 35 anos que conversava pela internet. Ela seguiu o homem seu quarto de hotel, mas, logo foi encontrada por Dee Dee. Conforme relatato de Gypsy no USA Today, a mulher repreendeu a filha e falou que tinha apenas 15 anos. Ao voltarem para a casa, a jovem relata que ficou acorrentada em sua casa e a mãe instalou sinos em todas as portas para não fugir;

• Outubro de 2012: Gypsy conhece Nicholas Godejohn em um site de relacionamento cristão. A relação à distância se manteve às escondidas por mensagens de texto e vídeo;

• Outubro de 2014: Aos 23 anos, Gypsy fala para uma vizinha, Aleah Woodmanse, sobre Nick e seu desejo de fugir para poder casar e se relacionar sexualmente com o homem. Acreditando que a jovem fosse menor de idade, a vizinha se assusta com o que foi dito por Gypsy;

• Março de 2015: Gypsy e Nick se encontram pessoalmente em um cinema na cidade de Springfield, Missouri. Mãe e filha foram assistir ao filme Cinderela e a jovem estava vestida como a princesa, enquanto Nicholas apareceu vestido como príncipe. Neste dia, Gypsy e Nicholas transaram pela primeira vez no banheiro do cinema. Mesmo sem saber da “escapada”, Dee Dee não gostou de Nicholas. A partir desse momento, o casal começa a planejar formas para Gypsy Rose “se livrar” de sua mãe;

• 9 Junho de 2015: Clauddine Blanchard é assassinada por Nicholas Godejohn a pedido de Gypsy Rose;

• 14 de junho de 2015: O casal faz duas postagens no Facebook de Dee Dee, alarmando a vizinhança, que aciona a polícia;

• 15 de junho de 2015: Nicholas Godejohn e Gypsy Rose são presos. Inicialmente, ela negou envolvimento no crime, mas depois confessou que planejaram o assassinato juntos;

• 5 de julho de 2016: Gypsy se declara culpada por assassinato em segundo-grau. A mulher foi sentenciada em 10 anos, mas o júri se surpreendeu com os abusos sofridos pela vítima;

• Novembro de 2018: apesar da defesa de Nicholas Godejohn alegar que ele acreditava estar salvando Gypsy da própria mãe, ele é declarado culpado pelo júri.

• 22 de fevereiro de 2019: Nicholas Godejohn é sentenciado a prisão perpétua.

• Julho de 2022: ainda na prisão, Gypsy volta a namorar via correspondência e, em julho de 2022, se casa com Ryan Scott Anderson, de 37 anos.

• Setembro de 2023: Gypsy Rose consegue liberdade condicional.

• 28 de dezembro de 2023: Gypsy Rose é liberada da prisão e tem planos de assistir um jogo do Kansas City Chiefs com seu marido.

• 9 de janeiro de 2024: data em que Gypsy planeja lançar seu e-book “Release: Conversations on the Eve of Freedom”, em tradução literal: “Livre: Conversas na véspera da Liberdade”.

*Linha do tempo por USA Today.

Caso Gypsy e Dee Dee inspirou documentários e série

Além do livro que a própria Gypsy Rose planeja lançar em janeiro de 2024, sua história e o assassinato de sua mãe já foram retratados em outras produções. A primeira foi a reportagem de Michelle Dean, publicada pelo BuzzFeed em 2016 e citada anteriormente nesta matéria.

Em 2017, a HBO lançou o documentário Mamãe Morta e Querida, com entrevistas de Gypsy Rose e Nicholas Godejohn. No ano seguinte, o Investigation Discovery lançou o documentário “Vingança de Gypsy”, também com entrevistas do ex-casal.

Em 2019, a Hulu lançou a série “The Act”, com co-produção de Michelle Dean, autora da reportagem do BuzzFeed. No mesmo ano de lançamento da série, Gypsy deu uma entrevista para Bustle, quando afirmou que não foi procurada para usar seu nome na produção:

— Por isso, haverá ações legais contra os criadores da série. Eu quero compartilhar minha história e conscientizar as pessoas sobre Munchausen por Procuração, na esperança de encorajar uma reação daqueles que possam estar vivenciando abuso, porque alguém vai escutar. Nenhuma criança deveria ser abusada, especialmente por seu responsável —, afirmou ao Bustle (tradução literal).

O que é Munchausen por Procuração

A síndrome citada por Gypsy é um distúrbio psicológico em que o cuidador busca a atenção de quem está em seu cuidado. A pessoa que sofre dessa síndrome busca cuidado médico exagerando situações ou criando sintomas.

Essa síndrome é rara e geralmente afeta a pessoa responsável pelo cuidado primário, como mães. Acredita-se que Dee Dee possuía Munchausen por Procuração e, assim como ela, quem sofre desse distúrbio é vista como uma pessoa extremamente carinhosa e preocupada em relação à doença de quem está cuidando. Em um primeiro momento, o comportamento pode parecer inofensivo, mas essa síndrome pode piorar quadros ou, até mesmo, criar e/ou induzir sintomas.

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