“Você está me deixando ansioso porque isso me lembra do quão difícil foi fazer esse filme”, diz o diretor David Ayer a certa altura de uma conversa por videochamada. Com a frase fora de contexto, até parece que se trata de mais uma produção enorme de Hollywood como “Esquadrão Suicida” e “Corações de Ferro” —que ele fez no passado.
Mas o tema da entrevista é o novo longa de ação de Jason Statham, “Beekeeper”, que tem uma premissa simples —um assassino que deixa a vida pacífica como apicultor para buscar vingança pela morte da vizinha. A história logo mostra que nem tudo é o que parece, e a espiral de eventos —regada a brigas e tiroteios— logo virou uma questão para Ayer.
“Filmes são divertidos, mas um roteiro não é um filme. Ele é uma planta que você nunca sabe como será traduzida para a telona”, afirma o diretor em seguida. “A gente começou esse projeto de forma silenciosa e mais emocional, mas no fim ele se tornou um dragão.”
Esse desafio foi um ato premeditado da parte de Ayer, que decolou na carreira com suspenses de ação viscerais e baseados na dinâmica das ruas. Ex-militar criado no sul de Los Angeles, ele trabalhou primeiro como roteirista, ganhando fama em pouco tempo por escrever “Dia de Treinamento”, em 2001.
O filme deu a Denzel Washington o seu segundo Oscar e ajudou David Ayer a se lançar como diretor já em 2005, com “Tempos de Violência”. Seus projetos só cresceram em orçamento e notoriedade, culminando em 2016 com “Esquadrão Suicida”, o grupo de vilões tornados em heróis da DC Comics.
A produção foi um enorme sucesso de bilheteria, mas ao custo da má fama de uma bagunça de filme. A situação não melhorou com “Bright”, que ele dirigiu em 2017 —o longa com Will Smith nasceu como promessa de franquia da Netflix apenas para acabar achincalhado pela crítica e ignorado pelo público.
Ayer ainda faria um retorno aos suspenses urbanos com “O Cobrador de Impostos” em 2020, mas desde essa maré de azar ele procura novos ares. O projeto de “Beekeeper”, assim, virou uma válvula de escape ao que ele mesmo define como os seus mundos realistas e muito dramáticos.
“Eu queria tentar algo um pouco diferente e criar algo que fosse pop e divertido. A ideia era fazer um filme de ação mais tradicional, como aqueles que Hollywood lançava com frequência no passado.”
A história de “Beekeeper” também o seduziu pela magnitude crescente de seus eventos. Ao longo do filme, descobrimos que o personagem de Jason Statham é um assassino aposentado de uma organização misteriosa do governo americano, apelidada de “os apicultores”.
A referência aos criadores de abelhas se dá porque o grupo, como estes profissionais, busca garantir a segurança da sociedade —a colmeia, como eles dizem.
A questão que move o longa é que a vingança abraçada pelo protagonista mira os altos escalões do governo. A vizinha do começo da história morreu por suicídio depois de perder todas as finanças de sua aposentadoria em um golpe por telefone. Os responsáveis pela morte são parte de uma empresa dedicada a furtos do tipo, e seu dono tem uma ligação bastante íntima com a presidente dos Estados Unidos.
O filme faz disso a sua grande reviravolta, e quem assistir a “Beekeeper” vai pensar rápido nas polêmicas com Hunter Biden, filho de Joe Biden. David Ayer nega o paralelo, dizendo que a produção quis brincar com o longo histórico de familiares problemáticos dos políticos no país. Para ele, a presença deste enigma na trama era mais interessante.
“Há muito poder no mistério, e eu acho que o problema com um monte de filmes de estúdio hoje é que eles querem te contar tudo sem suspense. Para mim, quando você confia no público um pouco e segura um pouco as informações, isso ajuda a tornar a história mais assistível.”
A paixão de Ayer pelo passado se confunde muitas vezes com a sua admiração por Statham. Ele diz que assistiu e estudou muitos filmes de Humphrey Bogart, ícone da Hollywood clássica, para entender a magia de um astro da indústria e como fazer justiça à aura do ator britânico.
“Eu conheço a trajetória dele e meu instinto inicial é de que ele podia fazer muito mais enquanto ator”, afirma. “Acho que ele só precisava de uma oportunidade para se mostrar vulnerável em um personagem mais redondo.”
Ayer também diz que aprendeu muito com Statham no set. “Ele tem esse conhecimento enciclopédico de cinema de ação e literalmente sabe todas as cenas do gênero. Eu aprendi a repensar certas coisas nesses momentos, o que é bom porque filmar ação é exaustivo. Mas também é inspirador ver o Statham no monitor e perceber como ele se move.”